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Síndrome de Brugada




Descrição

Doença descrita pela primeira vez na década de 90. Representa condição genética com padrão autossômico dominante de herança. São conhecidas centenas de mutações em ao menos 13 genes distintos. Aproximadamente 20% dos pacientes com a síndrome possuem anomalia do gene SCN5A (primeira mutação descrita).

Nas mutações do SCN5A, o defeito genético culmina em perda de função dos canais de sódio (responsáveis no potencial de ação pela fase 0). Além deste mecanismo, outras mutações são responsáveis por alterações distintas relacionadas às correntes iônicas com resultados por vezes semelhantes (perda de função de corrente de sódio), por vezes opostos (ganho de função de corrente de sódio) e, em outros casos, envolvendo correntes de potássio.

Estas alterações iônicas sem manifestam com intensidade diferente na musculatura ventricular. Assim, a perda de função dos canais de sódio tende a ocorrer de forma mais proeminente no ventrículo direito. Além disto, correntes de potássio (Ito) são mais proeminentes na região epicárdica.

Desta forma, teremos duas camadas de músculo ventricular próximas e com potenciais de ação diferentes: o epicárdio com potencial de ação mais curto e o descrito aspecto ?spike-and-dome? e o endocárdio (onde a Ito é menos proeminente) com potencial de ação menos afetado pelo desequilíbrio entre correntes de sódio e potássio. Tudo resulta em dispersão da refratariedade ventricular com terreno para formação de arritmias ventriculares polimórficas através de reentrada de fase 2.

Manifestações

Os portadores de Brugada podem ser assintomáticos e ter descoberto padrão eletrocardiográfico típico através de exame de rotina. São manifestações preocupantes, nos portadores de Brugada, e que indicam propensão a eventos arrítmicos mais graves: a fibrilação atrial (ocorre em até 20% dos pacientes e sugere doença mais exacerbada) e a síncope (levanta a possibilidade de eventos arrítmicos ventriculares não fatais). A manifestação mais temida é a morte súbita, que tipicamente ocorre durante o sono.

Diagnóstico

O diagnóstico é feito através do ECG e da história clínica. A associação ECG típico em paciente com morte súbita abortada pode tornar o diagnóstico muito mais fácil de ser realizado, no entanto a ocorrência de ECG sugestivo em paciente assintomático ou a presença de ECG duvidoso em paciente com sintomas compatíveis podem dificultar bastante a condução do caso.

Atualmente, são descritos dois padrões de ECG distintos. O padrão tipo 1 corresponde ao clássico tipo 1 descrito em consensos anteriores ao de 2012. O padrão tipo 2 corresponde aos antigos tipos 2 e 3.

Padrão 1

É o chamado ?coved type?. Descreve-se como uma elevação do segmento ST seguida por onda T negativa e simétrica. Geralmente é visto em V1-V2. Algumas vezes, está presente em apenas V1 ou apenas V2, mas em outras vezes, pode ser visto de V1-V3. Há características específicas para este padrão (Figura 1):



Supradesnivelamento do ápice final do QRS ?2mm seguido por segmento ST descendente de concavidade para baixo ou mesmo retilíneo.

Deve respeitar uma descendente do tipo: ápice final do QRS > 40ms de ST > 80ms de ST.

Em 40ms de ST, a queda do segmento deve ser menor que 0.4mV em relação ao ápice final do QRS.

A relação entre o supradesnível do ápice final do QRS e o ponto a 80ms de ST deve ser maior que 1.

A duração do QRS em V1-V2 é maior do que no restante das derivações precordiais (fenômeno difícil de ser medido com precisão).

Segmento ST é seguido por onda T invertida e simétrica.

Padrão 2

É o chamado ?saddle-back? (ou corcova de camelo). São avaliadas as derivações V1-V2:

Observa-se claramente a presença de onda tipo r´ com supradesnível ?2mm.

Há segmento ST com supradesnível ?0.5mm, tipo descendente e de convexidade para baixo.

Onda T em V2 é positiva.

Onda T em V1 pode ser discretamente positiva, achatada ou discretamente negativa.

Ângulo ? 58º e além.

Pico da onda T acima do ponto de menor supradesnível do segmento ST.

Manobras para desmascarar padrões de Brugada: ECGs típicos não são encontrados em todos os traçados de portadores da Síndrome, pois há uma natureza dinâmica das alterações eletrocardiográficas e, além disso, a área de músculo afetado pode ser de pequena extensão e necessitar adaptação da técnica de obtenção dos registros.

Quando há sugestão do diagnóstico de Brugada com eletrodos de V1-V2 posicionados em local habitual (4º espaço intercostal), a utilização de eletrodos no 2º espaço intercostal pode ser suficiente para se maximizar a visualização da via de saída de VD e, consequentemente, possibilitar o surgimento de padrão mais característico.

Outras vezes, apenas a injeção de agentes bloqueadores de canais de sódio (como ajmalina, felcainida e procainamida) é capaz de desencadear o surgimento de padrão tipo 1 e sugerir o diagnóstico.

Figura 1 - Padrões de ECG Brugada
A. Bayés de Luna et al. / Journal of Electrocardiology 45 (2012) 433?442

Diagnóstico de Síndrome de Brugada

Alterações eletrocardiográficas características associadas um ou mais dos fatores:

Morte súbita abortada.

Taquicardia ventricular polimórfica.

História de síncope não vagal.

Morte súbita em familiar de até 45 anos de idade (sem doença coronária).

Familiar com ECG de padrão tipo 1.

Fenocópia - Conceito

Fenômeno que ocorre com o surgimento intermitente do ECG de Brugada em pacientes expostos a diferentes condições clínicas (pericardite, miocardite, embolia pulmonar, alterações metabólicas, choque elétrico, isquemia e outras). Nestes, o teste farmacológico com bloqueadores de sódio e a pesquisa genética de mutações serão negativos. O prognóstico destes pacientes ainda não foi estabelecido.

Avaliação de risco

A conduta será determinada após avaliação de risco futuro de eventos arrítmicos. São avaliados fatores como: presença de sintomas prévios, ECG tipo 1 espontâneo, sexo masculino, ocorrência de fibrilação atrial e resultado do estudo eletrofisiológico.

1) Sintomas prévios

Histórico de síncope ou de morte súbita abortada determinam risco alto de novos eventos: 17-62% nos recuperados de morte súbita (seguimento de 48-84 meses) e 6-19% nos que relataram perda súbita de consciência (seguimento de 24-39 meses).

Nestes dois grupos, há indicação de implante de desfibrilador interno (CDI), pois não existe alternativa terapêutica mais segura para a prevenção secundária até o momento.

2) ECG tipo 1 espontâneo

É sabido que a presença de ECG tipo 1 espontâneo está ligada a um propensão para eventos arrítmicos ventriculares. No entanto, não é fator suficiente para indicação de implante de CDI , mesmo que exista história familiar de morte súbita.

3) Sexo masculino

Há uma tendência de pior prognóstico quando o portador de Brugada é do sexo masculino. Acredita-se em alterações no funcionamento dos canais iônicos relacionadas ao sexo masculino e em influências hormonais.

4) Fibrilação atrial

A fibrilação atrial (FA) se manifesta em 10-53% dos portadores de Brugada. Foi visto que o desenvolvimento espontâneo de FA é fator de risco para desenvolvimento de síncope e de fibrilação ventricular (VF).

5) Estudo eletrofisiológico (EEF)

O EEF é objeto de controvérsia na estratificação de risco de pacientes assintomáticos portadores de Brugada. A maior incidência de eventos arrítmicos em doentes com teste positivo (8% em 33-39 meses de seguimento) foi descrita por Brugada e cols. Outros pesquisadores demonstraram resultados diferentes na avaliação do EEF que têm como espectro desde ferramenta adequada como determinante de fator preditor negativo até a inutilidade do método para prever prognóstico.

Tratamento

Até o momento as opções de tratamento dos pacientes com Síndrome de Brugada ainda são limitadas e apenas o implante de CDI demonstra segurança adequada para a prevenção da morte súbita(MS) em doentes adequadamente selecionados.

1) Desfibrilador implantável (CDI)

O implante de CDI é claramente indicado naqueles pacientes sobreviventes de MS e naqueles que apresentam síncope de caráter compatível com origem arrítmica.

Em alguns serviços, pacientes assintomáticos com padrão de ECG tipo 1 espontâneo serão submetidos a EEF. No caso de indução de arritmia ventricular maligna haverá indicação de implante do dispositivo (apesar de ainda não existir consenso quanto a esta abordagem).

Os maiores receios quanto ao implante deste tipo de dispositivo são justamente relacionados à ocorrência de choques inapropriados e ao longo tempo de convívio do paciente com equipamentos implantados em seus sistemas venosos, ambos concorrendo para aumento da morbimortalidade.

2) Tratamento farmacológico

Geralmente o tratamento farmacológico é reservado para o tratamento de pacientes com tempestades arrítmicas. Ainda não existe droga com poder de proteção suficiente para substituir a indicação de CDI. São utilizados fármacos que inibem a corrente de potássio "Ito" ou que aumentam correntes de sódio ou cálcio.

- Isoproterenol: aumenta corrente de cálcio. Tem utilidade demonstrada em tempestade elétrica em portadores de Brugada.

- Quinidina: bloqueia correntes de potássio. É útil igualmente em pacientes com múltiplos choques e naqueles que apresentam tempestade elétrica. Pode ser boa alternativa para os portadores de Brugada que apresentam arritmias supraventriculares como fibrilação atrial. A quinidina é utilizada em alguns pacientes pediátricos até que sejam capazes de receber implante de CDI ou naqueles pacientes onde o implante é contra-indicado.

Tabela 1 - Drogas a evitar
Postema et al / Heart Rhythm. 2009; Vol 6, Issue 9:1335-1341

3) Prevenção

Não existem medidas preventivas para estabelecer segurança confortável aos portadores da síndrome.

São recomendados cuidados relacionados ao uso de drogas que poderiam suscitar eventos arrítmicos (Tabela 1). www.brugadadrugs.org

Outra recomendação importante é o controle da temperatura, pois é descrita a associação entre febre e o surgimento de ECG tipo 1 e mesmo a associação do aumento da temperatura com o desencadeamento de arritmias ventriculares.

4) Ablação

Em alguns casos a ablação de ectopias deflagradoras de eventos recorrentes sustentados pode ser útil em pacientes com múltiplos eventos.

Figuras

Figura A - Padrão Brugada tipo 1
Figura B - Eletrograma

Paciente masculino, 30 anos. História de morte súbita na família (irmão aos 42 anos, irmão aos 24 anos) + ECG tipo 1 espontâneo + EEF e ECGAR positivos. Implante de CDI em 2002 (assintomático na época). Troca de gerador em 2007. Fratura de eletrodo ventricular com retirada de sistema antigo e implante de novo sistema em 2012. Em set/2015 evento de "mal-estar" vago e em dez/2015 evento de síncope. Figura A: ECG obtido no dia da síncope. Figura B: EGM obtido de evento arrítmico do momento da síncope - arritmia ventricular polimórfica com baixo débito, revertida por choque do CDI.